Hoje, não é Dia Internacional do Livro, mas o que se diz no texto abaixo continua a fazer sentido.
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Foi a 7 de Outubro de 1926 que começou a celebrar-se, na Catalunha, o dia do livro, no dia do nascimento de Cervantes; em 1930, esta comemoração passou para o dia 23 de Abril, dia da morte do mesmo Cervantes. Em 1996, a UNESCO assumiu este dia e declarou-o internacional pois, apesar de diferenças de calendário (entre o gregoriano e o juliano, então utilizado na Inglaterra), este dia é também o da morte de Shakespeare. E hoje, de novo, recebemos este dia. O que nos poderá dizer, aos cristãos?
Não deixam de nos chamar a atenção algumas expressões que as Escrituras nos oferecem: por exemplo, ao profeta Ezequiel, Deus não pede que leia o livro que lhe vai entregar, mas que o coma. «Abri então a boca e Ele deu-me o manuscrito a comer. E disse-me: Filho de homem, alimenta-te e sacia-te com este manuscrito que agora te dou. Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o mel.» (Ez 3,2-3). É aqui que começa a missão do Profeta: e não será uma missão fácil, nem sequer será uma missão razoável – na verdade, será uma missão fracassada, e o profeta é avisado disso desde o princípio: «A casa de Israel não te quer escutar, porque não me quer ouvir a mim; pois os da casa de Israel são de cabeça dura e coração obstinado.» (Ez 3,7). Portanto, apesar de ser saboroso, parece que a digestão não será fácil para o profeta.
Outro profeta, Jeremias, vê o seu livro ditado a Baruc ser rasgado e queimado pelo próprio rei (Jer 36,23) - uma experiência que milhares de autores experimentarão até aos nossos dias, e muitas das vezes num contexto eclesiástico. Talvez por isso o Profeta anunciará depois uma Nova Aliança na qual a lei será já impressa no íntimo (Jer 31,33). Mesmo assim, o livro queimado será “re-editado” por ordem do próprio Deus (Jer 36,28).
Pergunto-me muitas vezes – e é uma pergunta que bastantes exegetas têm lançado – se Jesus saberia ler ou escrever. Segundo Lucas, levantou-se ao sábado na sinagoga para ler o Profeta Isaías (Lc 4,16). E temos a belíssima passagem de Jo 8,1-11, no qual Jesus escreve no chão – o que escreve, só poderemos imaginar; mais importante, é a Nova Lei que é escrita com este diálogo: «Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» (Jo 8,10-11). Como gostava de dizer o pe. Santos Calmeiro Matias, graças a Deus que Jesus não deixou nada escrito, nenhum testamento, nenhuma lei – assim, deixou o Espírito Santo actuar na Igreja Nascente.
Ao contrário do que muito se diz e pensa, o Cristianismo não é uma Religião do Livro – é o Seguimento de uma Pessoa, o Ressuscitado. «Há ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se elas fossem escritas, uma por uma, penso que o mundo não teria espaço para os livros que se deveriam escrever», termina o Evangelho de João (Jo 21,25). Paulo proclamará, para todos os que o quiserem escutar, que «a letra mata, o Espírito dá vida» (2Cor 3,6) – por isso o seu ministério, o ministério da Nova Aliança não é o da letra, mas o do Espírito (ibid.) Muito nos separa dos nossos irmãos da Promessa, embora todos sejamos filhos na fé de Abraão (NA 4).
Por isso temos toda a riqueza que nos é oferecida em 20 séculos de história – é muito tempo. Por isso o Espírito pode falar, seja a impelir-nos a pôr na letra o que Ele sussurra – recordemo-nos de Teresa de Ávila, a sua angústia em colocar por escrito o “Livro da Vida” (V 23,15), livro de que, cerca de 4 séculos mais tarde, Edith Stein terá dito “aqui está a verdade”. Mas podemos ser também levados a ler, não como uma obrigação que nos é imposta, mas como uma Liberdade que nos constrói como pessoas. Numa altura em que não há tempo e por isso tudo tem de ser útil, esquemático, prático e sintético - a começar na própria Igreja, onde aos nossos catequistas só oferecemos esquemas de actividades e catequeses já elaboradas – ler é abrir-se a uma riqueza nova e diferente, é formar-se como pessoa, é aprender a reflectir. É dar-se tempo, a si mesmo, e aos que nos são próximos. E que este Dia Internacional do Livro seja mais que um dia de promoções, seja um dia de re-descoberta."
Retirado de: http://www.fundamentos.pt/23-de-abril-dia-internacional-do-livro/
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quaresma 2014 - caminhada de oração
semanário do 1.º volume (2013/2014)